segunda-feira, 6 de março de 2017

A irremediável melancolia do lugar

Passou toda a sua adolescência num quadrilátero limitado a norte pela Avenida Daumesnil e a Sul pelos cais de Rapée e de Bercy. Essa paisagem nunca atraiu muitos passeantes. Em certos locais, poderá pensar-se que se está perdido nos confins de uma longínqua província e, se se passear ao longo do Sena, ter-se-á a impressão de descobrir um porto abandonado. A passagem do metro aéreo pela Ponte de Bercy e os edifícios da morgue contribuem para a irremediável melancolia do lugar. Neste cenário ingrato existe, no entanto, uma zona privilegiada que atrai os sonhos: a Gare de Lyon. Era sempre aí que Sylviane Quimphe vinha parar. Aos dezasseis anos, explorou a estação até aos seus mais ínfimos recantos. Muito especialmente os cais de partida das grandes linhas. As simples palavras «Companhia Internacional de Carruagens-Cama» faziam-na corar de excitação. Depois voltava para casa, na Rua Corbineau, repetindo o nome de cidades que nunca conheceria. Bordighera-Rimini-Viena-Istambul. Defronte do prédio, havia uma pequena praça com um jardim onde se condensavam, ao cair da noite, todo o tédio e todo o encanto desolador do XIII Bairro de Paris.
Patrick Modiano, As Avenidas Periféricas; trad. Paulo Jerónimo.

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