estancou a chuva que de noite
não parou de cair
o laranja barrento das telhas
alinhadas sobre a janela e este azul subido
entre farrapos
deram à manhã uma inclinação
mirífica
dentro os periquitos tremem
de excitação e frio
gritam proposições de júbilo cosmogónico
narram uma era anterior às gaiolas
e aos domingos
apetecer-lhes-ia a fome que têm lá fora
as aves naturais
e não este almoço (uma coisa
em forma de assado) que alguém
vem preparando na cozinha
pôs-se um dia admirável nas ruas
perfeito para clichês:
tudo encharcado de brilhos
contraluzes arbóreas voos pombalinos
bustos reflectidos nas poças
cá dentro os casos
também tendem a lugares-comuns:
a cama desfeita a roupa largada
no chão
sobre o aparador o bule
que ontem serviu e outras loiças
a imitar uma tela de Morandi
a espessura de um vapor recente
na casa de banho
embaciada a fuligem deste espelho
sobre o lavatório
é o lago dos tisnes com que remato
o poema
perdoe o sensato leitor eu insistir
ali e aqui no gracejo fútil
Miguel-Manso, Persianas.
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