sábado, 1 de abril de 2017

A importância de desenhar

Falando em termos gerais, quem escolhe fazer arquitectura não precisa de "saber desenhar",  muito menos de "desenhar bem". O desenho, entendido como linguagem autónoma, não é indispensável ao projecto. Muita e boa arquitectura se fez e se faz "à bengala".
Só que toda a gente pode e precisa de desenhar.
A obsessiva especialização atrofia capacidades universais; a alguns é permitido e imposto desenvolver umas tantas—e não outras. E no entanto, no respeito ao desenho, qualquer criança se exprime com frescura e rigor; e os inadaptados e os considerados loucos.
Os erros e a submissão de quem ensina levam a que de quase todos finalmente se diga: não tem "jeito". Ou a que os próprios o digam.
O desenho é uma forma de comunicação, com o eu e com os outros. Para o arquitecto, é também, entre muitos, um instrumento de trabalho; uma forma de aprender, compreender, comunicar, transformar: de projecto.
Outros instrumentos poderá utilizar o arquitecto; mas nenhum substituirá o desenho sem algum prejuízo, nem ele o que a outros cabe.
A procura do espaço organizado, o calculado cerco do que existe e do que é desejo, passam pelas intuições que o desenho subitamente introduz nas mais lógicas e participadas construções; alimentando-as e delas se alimentando.
Todos os gestos—também o de desenhar—estão carregados de história, de inconsciente memória, de incalculável, anónima sabedoria. É preciso não descurar o exercício, para que os gestos não se crispem, e com eles o resto.
Álvaro Siza, 01 Textos.

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