sexta-feira, 30 de junho de 2017

Each mortal thing does one thing and the same:

As kingfishers catch fire, dragonflies dráw fláme;
As tumbled over rim in roundy wells
Stones ring; like each tucked string tells, each hung bell’s
Bow swung finds tongue to fling out broad its name;
Each mortal thing does one thing and the same:
Deals out that being indoors each one dwells;
Selves—goes itself; myself it speaks and spells,
Crying Whát I do is me: for that I came.

'I say móre: the just man justices;
Keeps gráce: thát keeps all his goings graces;
Acts in God’s eye what in God’s eye he is—
Christ —for Christ plays in ten thousand places,
Lovely in limbs, and lovely in eyes not his
To the Father through the features of men’s faces.
Gerard Manley Hopkins, Poems and Prose, Penguin, 1985.

quarta-feira, 28 de junho de 2017

A senhora Henderson

Paul D’Amato: Mrs. Henderson, Greater Garfield Park M.B. Church, 2009.

terça-feira, 27 de junho de 2017

Monsieur

O MOSQUITO

Quando é que começaste com as tuas habilidades,
Monsieur?

Para que são essas pernas tão altas?
E para quê tíbias tão esguias e finas,
tu, sobranceria?

E é preciso elevares tanto o centro da tua gravidade
e pesares tanto como o ar quando em mim poisas
e em mim ficas, sem peso nenhum, tu, fantasma?

Ouvi uma mulher chamar-te Victory com asas
na indolente Veneza.
Viras a cabeça no sentido da cauda e sorris.

Como podes pôr em ti tanta crueldade,
partícula translúcida de fantasma
em corpo tão frágil?

Estranho ser, com as tuas asas e as tuas pernas trémulas,
deslocando-te lentamente como a garça ou um súbito coágulo de ar,
não és senão nada.

E contudo há uma aura que te circunda,
a tua pequena maldosa aura, voando às voltas, lançando torpor na minha mente:

As tuas habilidades, o teu número de infecta magia:
a invisibilidade e o poder anestesiante
que fazem a minha atenção distrair-se de ti.

Mas agora sei qual é o teu jogo, feiticeiro listrado;
Estranho, sim, como volteias pelo ar, magnânimo, e
em círculos e recuos me envolves,
vampiro de asas
Victory alado.

Determinando, do alto das tuas pernas finas e compridas
olhas-me de viés com uma astúcia consciente da minha atenção,
tu, mínima partícula.

Odeio a forma como voas de lado, às guinadas no ar,
porque já leste os meus pensamentos contra ti.

Mas vem, vamos brincar às escondidas
e logo se vê quem é mais esperto neste jogo, nesta simulação.
Se o homem ou o mosquito.

Tu não sabes que eu existo, e eu não sei que tu existes.
Ora vamos lá então!

É esse teu zumbido,
esse teu odiento e rápido zumbido,
tu, demónio pontiagudo,
que me faz estremecer subitamente o sangue em total aversão por ti:
essa espécie de corneta, breve e estridente, junto aos meus ouvidos.

Porque fazes uma coisa dessas?
Não é certamente boa política.
Mas dizem que não consegues evitar.

Se assim é, então acredito um pouco na Providência que protege os inocentes.
Soa tão surpreendente quanto um slogan
o grito de triunfo quando me picas o crânio.

Vermelho, sangue vermelho
super-mágico
líquido proibido.

Vejo como ficas
durante um só segundo num espasmo esvaído,
obscenamente extasiado
sugando sangue fresco,
o meu sangue.

Tanto silêncio, tanta suspensão de movimento,
tanto prazer farto,
tanta obscenidade violentadora.

Cambaleias
mas aguentas-te.
Só esses teus malditos e frágeis filamentos,
essa tua imponderável leveza,
te salvam, levam-te no mesmo sopre de ar que a minha raiva faz ao coçar-se.

E afastas-te em irrisória glória,
tu, gota de sangue alada.

Não te poderei vencer?
Serás de mais para mim?
Serás mesmo um Victory com asas?
Nem mosquito saberei ser para, enquanto mosquito, te derrotar?

Estranho como o sangue que sugaste faz tão grande mancha
quando comparada com a tua infinitesimal e ínfima presença!
Estranha a negra e densa fogueira onde desapareces!
D. H. Lawrence; trad. de Helder Moura Pereira.

domingo, 25 de junho de 2017

Mystify

Decades ago, stumbling upon a screen saver in a shared living room—or perhaps finding an entire office full of them at lunchtime, cubicles lambent with workers’ judiciously chosen modules—likely signaled your own solitude.
[...]
Maybe it was because they thrived in empty rooms that screen savers always felt a little haunted to me.
Zack Hatfield, Salvation Mode.

Domingo no Mundo (15)

Liu Shih-Tung, The Wind from the Mountains Breezes Through, 2016.

sábado, 24 de junho de 2017

Nós, os snobes

Entretanto, Katie tirava um osso ensanguentado da travessa e estava a dá-lo aos cães. Testemunhando tal cena, percebi que aquela gente se estava pouco marimbando para o que os outros podiam pensar. Ali estava a natureza no seu estado natural, sem enfeites, por podar.
Virginia Woolf, Momentos de Vida, trad. Eugénia Antunes. 

Lady Ottoline

Henry Walter Barnett, Lady Ottoline Morell, s/d.
"Lady Ottoline", escrevi no meu diário, "é uma grande senhora que se desencantou com a sua classe e  tenta agora encontrar o que deseja entre artistas e escritores. Por esta razão, e como se um dom divino os inspirasse, aborda-os com assertividade, e eles veem-na como um espírito desencarnado que fugiu do seu próprio mundo para outro no qual não poderá jamais firmar raízes. Ainda que não seja bela, tem uma aparência notável. À semelhança da maior parte das pessoas passivas, é muito cuidadosa e aprimorada em tudo o que a rodeia. Não se mede a esforços para realçar a sua própria beleza, como se fosse um objeto raro comprado numa sombria ruela florentina. (...)
Virginia Woolf, Momentos de Vida, trad. Eugénia Antunes.

quinta-feira, 22 de junho de 2017

Capri, 1955

Cary Grant & Grace Kelly, To Catch a Thief, dir. Alfred Hitchcock.

Outra coisa

E é o que me ocorre quase sempre quando leio um novo diarista. Ele conta banalidades ou recordações pessoais da juventude ou infância. Mas ignora que essas coisas são apenas lamentáveis ou ridículas, se não forem outra coisa ao passarem à escrita.
Vergílio Ferreira, Conta-Corrente, Nova Série, Vol II.

quarta-feira, 21 de junho de 2017

O eucaliptal que cresce dentro do jornalismo

Incomoda-me, a par, como o termo «fazedor de opinião» serve bem: há um quê de jogo e o golo raramente é provocar, criar dissidência, mas, pelo contrário, arranjar rebanho, que é o que faz a marca do cronista e lhe assegura valor de mercado — e isso cria uma dependência potencialmente tão nefasta quanto a da militância partidária (o alarde com que volta e meia um festeja o seu contracorrentismo lembra-me sempre machos de pila pequena gabando-se dos seus vinte e cinco centímetros). Um jornalista bom agora é marca branca e vale pouco.

terça-feira, 20 de junho de 2017

Visitas a grandes homens

Lembro-me ainda mais nitidamente da cerimónia das nossas visitas a grandes homens. Tanto o meu pai como a minha mãe demonstravam grande respeito pela grandeza. E a honra e o privilégio da nossa posição ficavam gravados em nós. Lembro-me de Meredith colocando rodelas de limão no chá. Recordo Watts comendo grandes tigelas de natas batidas e um prato de carne picada. "Beijei-o", disse a minha mãe, "antes que ele mergulhasse os bigodes nas natas".
Virginia Woolf, Momentos de Vida, trad. Eugénia Antunes. 

domingo, 18 de junho de 2017

Domingo no mundo (14)

Pierre Bonnard, The Breakfast Room, 1930-1.

sábado, 17 de junho de 2017

A sogra em construção

Cuando, tras haberle dicho que iba a casarme, mi madre fue a casa de mi novia, y cuando ésta le abrió la puerta, mi madre la miró un momento, aunque la conocía, y desde hacía bastante tiempo, como si tuviese, frente a ella, a otra persona; la miraba con otros ojos, como cuando se contempla un paisaje desde otra perspectiva, que la hace aparecer diferente: una amiga, hija de una amiga, pero una extraña, se convertía, de una forma inesperada, en la pariente más próxima, en alguien como su hija, en alguien como otro yo mismo, en alguien también como otra ella misma, en alguien que ella esperaba desde siempre, que presentía, que no reconocía y, a la vez, que le parecía conocer desde el comienzo de los tiempos: la persona designada, desde siempre, por el destino, a la vez impuesta y elegida. [...] Mi futura mujer respondió a la mirada de mi madre; mi madre tenía los ojos llenos de lágrimas, pero contenía su emoción, y sus labios, que temblaban  un poco, adoptaron una expresión indecible. No sé en qué medida eran conscientes de lo que se decían sin hablar. Era una comunicación muda, una especie de ritual breve que volvían a descubrir espontáneamente y que debía estarles siendo transmitido desde siglos e siglos: era una especie de otorgamiento de poderes. En aquel momento mi madre cedía su plaza y me cedía también a mi mujer.
Ionesco, Diario.

Morangos com natas

A minha mãe sai pela porta com aquele vestido de seda listrada, abotoado até ao pescoço, com a saia larga e solta, com que aparece na fotografia. É, naturalmente, "uma visão", como se costuma dizer; e ali ficava ela, em silêncio, com o seu prato de morangos e natas (...)
Virginia Woolf, Momentos de Vida, trad. Eugénia Antunes. 

sexta-feira, 16 de junho de 2017

Modorra

Henri de Toulouse-Lautrec, 1882.

De manhã cedo

Quando penso em mim, deitada na cama, de manhã cedo, ouço também os grasnidos das gralhas a precipitarem-se de uma grande altura. Dir-se-ia que o som tomba através de um ar elástico, pegajoso, que o sustém, que o impede de ser agudo e nítido. O ar que pairava sobre Talland House parecia refrear o som, deixá-lo afundar-se lentamente, como se estivesse preso num véu azul e viscoso. O grasnido das gralhas faz parte do rebentar das ondas — uma, duas, uma, duas — e dos salpicos da água ao mesmo tempo que a onda recuava e se avolumava de novo, e eu ali deitada, meio acordada, meio adormecida, retirando de tudo isso um êxtase que não consigo descrever.
Virginia Woolf, Momentos de Vida, trad. Eugénia Antunes. 

quinta-feira, 15 de junho de 2017

Ir de vela

Parece ser que es el viento malo de Zurich la causa de estas depresiones; debe haber, también, vientos eufóricos. No es la filosofía lo que nos cura o nos pone enfermos. Estamos a merced de los vientos.
Ionesco, Diario.

Julia Stephen, a mãe

Jacques Emile Blanche, a partir de uma fotografia de Julia Margaret Cameron, c.1864-7.

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Carpe diem

"Aproveitemos ao máximo o que temos, uma vez que o futuro não nos é dado a conhecer" era o lema que a incentivava a trabalhar tão incessantemente em prol da felicidade, do bem e do amor; e os ecos da melancolia respondiam: "Que importa? Talvez o futuro não exista." Cingida como estava por esta dúvida solene, as actividades mais triviais que desempenhava tinham qualquer coisa de grandioso, e a sua presença era imponente e austera, acarretando não apenas alegria e vida, uma fugaz e requintada feminilidade, mas também a majestosidade de um ser humano nobremente formado.
Virginia Woolf sobre a mãe, em Momentos de Vida, trad. Eugénia Antunes

domingo, 11 de junho de 2017

Domingo no mundo (13)

Vanessa Bell, The Tub, 1917.

sexta-feira, 9 de junho de 2017

Stella

[...] era bonita, mais bonita do que as fotografias permitem constatar, porque grande parte da sua beleza etérea derivava de circunstâncias do movimento — a palidez luminosa da pele, o tom cambiante dos olhos, o movimento e a agitação do conjunto.
Virginia Woolf, Momentos de Vida; trad. de Eugénia Antunes.

quinta-feira, 8 de junho de 2017

O pós-sim

«Como é que o pai a pediu em casamento?», perguntei-lhe certa vez, descendo de braço dado com ela a escada em caracol para a sala de jantar. Ela deu a sua risadinha típica, meio surpreendida, meio chocada. Não respondeu. Ele pediu-a em casamento por carta; e ela recusou. Então, certa noite, quando ele já havia desistido totalmente da ideia, depois de ter jantado com ela e lhe ter pedido conselhos acerca de uma preceptora para Laura, ela acompanhou-o à porta e disse: «Tentarei ser uma boa esposa para si.»
Virginia Woolf, Momentos de Vida; trad. de Eugénia Antunes.

quarta-feira, 7 de junho de 2017

The Siesta

Paul Gaugin, 1892.

Ir ver se chove no tempo da Guerra

Prossigo (22 de Setembro de 1940) neste dia húmido; pensamos agora no tempo, porque afecta a invasão e afecta os raides aéreos e não por ser um conjunto de condições atmosféricas que nos agrada ou desagrada particularmente [...]
Virginia Woolf, Momentos de Vida; trad. de Eugénia Antunes.

segunda-feira, 5 de junho de 2017

No meio do giro sem história havia um homem com um cavalete

Alfred Sisley, Garde-Champêtre dans la forêt de Fontainebleau, 1870.

Contra a perigosa dormência

It wasn’t just disease or death that Chekhov was trying to escape; it was deadliness. “There is a sort of stagnation in my soul,” he wrote to a friend. Chekhov, then, was looking to resensitize himself—to un-numb the numbness. He sought a place where he might inoculate himself against the ennui that was slowly destroying his soul.
Sakhalin Island, to put it mildly, was not a place for the faint-hearted. What Chekhov found there was a community even more depraved than the one he had left behind—an island society on the edge of sanity, law, and self-discipline. The men on this island hunted each other for sport. Women were routinely sold into prostitution. The children were malnourished and enslaved by adults. The prisoners bribed the guards, and the guards beat the convicts nearly to death. (...)
Chekhov used Sakhalin as an antidote. It may not have restored his health, but it restored his sensitivity. He moved beyond his own numbness and found a new means of engagement with his world—and, in doing so, invented a new kind of writing. Today, and especially today, as the threat of desensitization—and the accompanying seductions of detachment, outrage, revulsion, indignation, piety, and narcissism—looms over all our lives, we might need to ask ourselves the question that Chekhov asked himself in the spring of 1890: What will move me beyond this state of anesthesia? How will I counteract the lassitude that creeps over my soul?  
Each of us will find individual answers to these questions. There is no formula that describes what your solution might be (although Chekhov’s six principles of storytelling certainly come close to such a formula). But it is humbling to recall the breadth and depth of our literary debt to a thirty-year-old physician who set out to cure his anesthesia. The opposite of “anesthetic,” we might recall, is “aesthetic”—a word that originally referred to whatever could be perceived or felt but that came to refer to the nature of beauty. Beauty, in all its myriad forms, can only be created in opposition to numbness. That, at least for me, serves as a quiet manifesto for our times.
Siddhartha Murkherjee na New Yorker desta semana, sobre a nossa necessidade de evasão para permanecermos humanos, a partir da ida de Teckhov para a ilha de Sacalina, na Sibéria.

domingo, 4 de junho de 2017

Domingo no mundo (12)

Sandro Boticelli, Vénus e Marte, 1483.

sábado, 3 de junho de 2017

Desse semideus tão louvado

O que é o homem, esse semideus tão louvado? Não lhe faltam as forças precisamente quando mais precisa delas? E, quando a alegria lhe dá novos impulsos ou a dor o afunda, não se verá ele detido em ambas e devolvido à impassível e fria consciência, juntamente quando anseia por perder-se na plenitude do infinito?
J.W.Goethe, Werther