terça-feira, 27 de junho de 2017

Monsieur

O MOSQUITO

Quando é que começaste com as tuas habilidades,
Monsieur?

Para que são essas pernas tão altas?
E para quê tíbias tão esguias e finas,
tu, sobranceria?

E é preciso elevares tanto o centro da tua gravidade
e pesares tanto como o ar quando em mim poisas
e em mim ficas, sem peso nenhum, tu, fantasma?

Ouvi uma mulher chamar-te Victory com asas
na indolente Veneza.
Viras a cabeça no sentido da cauda e sorris.

Como podes pôr em ti tanta crueldade,
partícula translúcida de fantasma
em corpo tão frágil?

Estranho ser, com as tuas asas e as tuas pernas trémulas,
deslocando-te lentamente como a garça ou um súbito coágulo de ar,
não és senão nada.

E contudo há uma aura que te circunda,
a tua pequena maldosa aura, voando às voltas, lançando torpor na minha mente:

As tuas habilidades, o teu número de infecta magia:
a invisibilidade e o poder anestesiante
que fazem a minha atenção distrair-se de ti.

Mas agora sei qual é o teu jogo, feiticeiro listrado;
Estranho, sim, como volteias pelo ar, magnânimo, e
em círculos e recuos me envolves,
vampiro de asas
Victory alado.

Determinando, do alto das tuas pernas finas e compridas
olhas-me de viés com uma astúcia consciente da minha atenção,
tu, mínima partícula.

Odeio a forma como voas de lado, às guinadas no ar,
porque já leste os meus pensamentos contra ti.

Mas vem, vamos brincar às escondidas
e logo se vê quem é mais esperto neste jogo, nesta simulação.
Se o homem ou o mosquito.

Tu não sabes que eu existo, e eu não sei que tu existes.
Ora vamos lá então!

É esse teu zumbido,
esse teu odiento e rápido zumbido,
tu, demónio pontiagudo,
que me faz estremecer subitamente o sangue em total aversão por ti:
essa espécie de corneta, breve e estridente, junto aos meus ouvidos.

Porque fazes uma coisa dessas?
Não é certamente boa política.
Mas dizem que não consegues evitar.

Se assim é, então acredito um pouco na Providência que protege os inocentes.
Soa tão surpreendente quanto um slogan
o grito de triunfo quando me picas o crânio.

Vermelho, sangue vermelho
super-mágico
líquido proibido.

Vejo como ficas
durante um só segundo num espasmo esvaído,
obscenamente extasiado
sugando sangue fresco,
o meu sangue.

Tanto silêncio, tanta suspensão de movimento,
tanto prazer farto,
tanta obscenidade violentadora.

Cambaleias
mas aguentas-te.
Só esses teus malditos e frágeis filamentos,
essa tua imponderável leveza,
te salvam, levam-te no mesmo sopre de ar que a minha raiva faz ao coçar-se.

E afastas-te em irrisória glória,
tu, gota de sangue alada.

Não te poderei vencer?
Serás de mais para mim?
Serás mesmo um Victory com asas?
Nem mosquito saberei ser para, enquanto mosquito, te derrotar?

Estranho como o sangue que sugaste faz tão grande mancha
quando comparada com a tua infinitesimal e ínfima presença!
Estranha a negra e densa fogueira onde desapareces!
D. H. Lawrence; trad. de Helder Moura Pereira.

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