quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Iminências

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Existem movimentos aos quais resistimos violentamente mas cuja marca é tão poderosa que nos envolvem bruscamente em situações que não nos atraem. Cedemos contra a nossa vontade. Cedemos como um dique cede. São os mais velhos astros que nos atraem sempre na sua órbita apaixonada. Estes astros são os nossos palácios detestáveis.
Os Romanos chamavam a estes astros sidera. Opunham-nos às estrelas (stellae) como grupos de stellae fazendo imagem entre eles, formando "constelações", uma série de sinais que se seguem, que ocorrem, depois retiram-se do fundo nocturno durante o Inverno: um rinoceronte, um caçador, um bisonte, as plêiades. Estes quatro sidera eram os astros que culminavam no fim do Inverno e que anunciavam no fundo da abóbada celeste a iminência da Primavera, o regresso dos pequenos rebentos e das cores, o renascimento do Primus tempus, a iminência da caça logo que os partos vivíparos estavam terminados.
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Estes astros, considerando-os no nosso nascimento, sideram o tempo dos homens e prescrevem as alegrias, os partos, os sacrifícios das primícias e dos primogénitos, as colheitas, as predações renovadas, os ritos garantindo o regresso anual (a sobrevivência anual) de todas as coisas.
Estes astros sideram os animais, sideram a cobrição, sideram o caminho do sol, sideram as chuvas, sideram os rebentos, sideram as flores, sideram os frutos e sideram-nos.
Pascal Quignard, Vida Secreta.

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