quinta-feira, 22 de março de 2018

Munch (1863-1944) revisitado num restaurante

Nada separa o Auto-Retrato Depois da
Gripe (c. 1919) e o Auto-Retrato Entre o
Relógio e a Cama, iniciado em 1940 e
concluído em 1942, em três anos sucessivos
de abandonos e regressos, talvez já não
molhando a tela com água da torneira e
expondo-a aos elementos físicos, e depois
raspando, pintando de novo, voltando a raspar.
E nada separa estes dois quadros do
terror quase melancólico de um outro
óleo de 1888, A Velha Igreja de Aker, com as
casas fechadas e a impossibilidade de
encontro e diálogo marcada pelo ocre das
empenas e por um céu iluminado pela
sua própria sombra. Em Abril de 1998, à
mesa do Olsen, o engenheiro do Instituto de
Hidráulica de Copenhaga recupera da infância o
som das botas dos nazis pisando as ervas
do quintal de casa de seus pais, onde
Munch, por esse tempo, passara um fim de
semana regressando de Asgardstrand,
e afirma que O Grito (1893, têmpera
e pastel sobre madeira) é já o retrato
do século XX. E que todos estes quadros são
o mesmo quadro. E que Munch haveria
necessariamente de morrer numa Noruega
ocupada pelo ódio, retirado na sua
quinta de Ekelay, para que a Arte fosse,
acima da técnica e do estilo, uma ciência
semelhante à História, mas que relata os
factos de um futuro que por
antecipação é possível aprender
nos seus traços essenciais.
José Carlos Barros, O Uso dos Venenos.

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