terça-feira, 16 de junho de 2020

Aonde chegou o canceling

O racismo em Flannery O' Connor não é uma questão de agora - é de sempre. Mas desde 2018 tem vindo a ganhar paladinos e agora, por todas as razões, está na ordem do dia. Não importa quantas vezes se explique que a n-word que hoje é ofensiva era a linguagem corrente do tempo; não importa quantas vezes se demonstre as críticas que tece, na ficção, ao racismo, que entende como uma das componentes do orgulho inerente ao branco; não importa quantas vezes se assinale que nas cartas, sobretudo as que correspondem ao final da vida, se desdobra em múltiplas personalidades (chegando até a assinar com outros nomes) numa espécie de diatribe, o escape possível no momento. Não importa. A atracção pelo abismo da redução de tudo a preto/branco, bom/mau - a cultura do pensamento binário - é mais forte. Boicotar figuras públicas por comportamentos considerados ofensivos é uma postura que nasceu nas redes sociais, chama-se canceling. Há quem aposte que a próxima vítima deste tipo de artigo deliberadamente-enquadrado-para-cancelar será Mark Twain.

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